terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Em Tom Nordestino, Zé é Fiel às idéias de Dylan


Em depoimento do ralo documentário exibido nos extras do DVD Tá Tudo Mudando - Zé Ramalho Canta Bob Dylan, o compositor e jornalista Nelson Motta defende com razão que nenhum outro artista do Brasil está mais credenciado para fazer um disco com versões de músicas do compositor norte-americano do que o autor de Avohai. Já perfilado com o Bob Dylan do Sertão por conta do canto meio falado, das letras verborrágicas e do misticismo que o fazem ser associado ao bardo, Ramalho encara o desafio de cantar Dylan em português em versões que ora são quase traduções das letras originais (caso de O Vento Vai Responder em relação a Blowin' in the Wind), ora são mais livres, sem contudo deixar de ser fiel em maior ou menor grau à firme ideologia de Dylan (caso de Rock Feelingood, a versão de Tombstone Blues que cita até o filmeTropa de Elite ao abordar a conivência da classe média com a guerra gerada pelo tráfico de drogas). Rockfeeling Good é uma versão já pré-existente de Maurício Baia que ganhou uns versos adicionais de Ramalho. A faixa tem adição da guitarra virtuosa de Robertinho de Recife, co-produtor do projeto. Já a música-título -Tá Tudo Mudando, versão de Things Have Changed, ótimo tema da seara mais recente de Dylan - é tocada com a guitarra de Frejat.

Novas ou antigas, fiéis ou livres, as versões cantadas por Ramalho a rigor quase nunca alcançam o vôo poético das letras existenciais de Dylan. O que dá um toque especial ao projeto é a intenção de trazer a obra de Dylan para o universo da música nordestina. A sanfona de Dodô Moraes pontua, por exemplo, O Amanhã É Distante, versão de Babal e Geraldo Azevedo para Tomorrow Is a Long Time, gravada por Azevedo em 1985 no disco A Luz do Solo. Já If Not for You - a única música entoada por Ramalho com os versos originais, em inglês - é formatada no ritmo agalopado recorrente no cancioneiro do compositor paraibano. Assim comoBatendo na Porta do Céu, a versão II de Knocking on Heaven's Door (aliás, inferior à primeira). É dentro desse espírito brazucaque Mr. Tambourine Man se transforma na figura sedutora de Mr. do Pandeiro, em alusão (explicitada na letra em português, escrita por Bráulio Tavares em 1978) a Jackson do Pandeiro (1919-1982).

Gravado em show fechado, feito sem platéia, o DVD reproduz as mesmas 12 faixas do CD homônimo, editado simultanea e separadamente. Contudo, o DVD é prejudicado pelas introduções algo vagas feitas pela jornalista Ana Maria Bahiana antes da exibição de cada música. Custa crer que uma jornalista com o currículo de Bahiana - ícone da crítica musical dos anos 70 e referência para todas as gerações posteriores de críticos - tenha aceitado falar um texto tão pomposo e com dois erros graves, um de informação e outro de omissão. A informação errada diz respeito à origem da música Don't Think Twice, It's All Right (Não Pense Duas Vezes, Tá Tudo Bem na versão cantada por Ramalho). Bahiana afirma se tratar de música lançada pelo autor em disco dos anos 70 quando, na realidade, a composição é de The Freewheelin' Bob Dylan, o álbum de 1963 no qual Dylan lançou o hino Blowin' in the Wind. Já a omissão é feita quando, ao apresentar a faixa Negro Amor, a jornalista não ressalta o fato de a versão (de alto teor poético) de It's All Over Now, Baby Blue ser da lavra fina de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti, dando a entender que se trata de mais uma das criações de Ramalho. E tal omissão é agravada pelo fato de na mesa redonda comandada pela jornalista Christina Fuscaldo - atrativo dos extras em que nomes como Bráulio Tavares e Maurício Baia detalham a origem das versões mais antigas - também não ser feita qualquer referência à autoria da bela Negro Amor. Erros e omissões à parte, Tá Tudo Mudando é projeto fiel ao tom e à ideologia do próprio Ramalho.
Mauro Ferreira

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