Há um Bob Dylan no sertão paraibano, e poucos brasileiros se deram conta disso. Agora, a relação está escancarada. Com "Zé Ramalho Canta Bob Dylan", seu 22º álbum em 30 anos, o primeiro assume sem reservas sua porção Robert Zimmerman (nome de batismo do segundo).
São 12 canções de um homem que canta meio falado interpretadas por um outro que também canta meio falado. Mas, mais do que interpretações, Zé Ramalho reescreveu as letras. Fez versões, transformando, por exemplo, "Things Have Changed" (as coisas mudaram) em "Tá Tudo Mudando" e "Blowin' in the Wind" (soprando no vento) em "O Vento Vai Responder".
"Antes de gravar, as versões foram levadas pessoalmente, pelo presidente da Sony Songs (Aloysio Reis), aos EUA, para apreciação do Dylan e seus assessores. Depois da avaliação, a assessoria mostrou ao Dylan e ele liberou totalmente todas as versões, inclusive com 'louvor', ganhando elogios dele etc.", contou Zé Ramalho à Folha.
Algumas músicas ganharam explicação adicional. É o caso de "Mr. Tambourine Man", cuja letra ganhou um personagem bem brasileiro: "Hey, Jackson do Pandeiro/ Toque para mim/ Não estou com sono e não tenho para onde ir".
"Quanto a essa história do Jackson do Pandeiro e outras citações brasileiras, todas foram explicadas pelo Aloysio Reis. Só começamos a gravar o disco depois das autorizações", esclarece o paraibano. E, claro, as músicas ganharam roupagem nordestina, com sanfonas.
A exceção é "If Not for You", que manteve a letra em inglês. "Achei que, adaptar uma música como essa, cantada na língua natural e arranjada como eu fiz, com um ritmo nordestino agalopado, ficaria interessante, e acho que ficou! Esse arranjo tem também uma inspiração na gravação que George Harrison fez desta mesma música, no seu álbum 'All Things Must Pass' [1970]."
Escolha
Fã de Dylan desde o fim dos anos 60, quando saía da adolescência, Zé Ramalho teve certa dificuldade para escolher as canções do álbum. Afinal, Dylan gravou cerca de 500 músicas em sua carreira.
"Tenho quase todos os discos de Bob Dylan. É difícil ter a coleção completa, devido à dificuldade de encontrar todos os CDs no Brasil. Gosto muito dos álbuns: 'Blood on the Tracks' [1974], 'Slow Train Coming' [1979], 'Desire' [1976] e a trilha sonora de 'Pat Garrett & Billy the Kid' [1973]."
"Para o meu álbum, adotei como critério fazer uma teia de canções de épocas diferentes. Além disso, procurei dividir as letras em situações diferentes. Há as que eu chamo de canções de separação, como por exemplo 'Negro Amor' ('It's All Over Now, Baby Blue') e 'Não Pense Duas Vezes, Tá Tudo Bem' ('Don't Think Twice, It's All Right'); canções de cunho religioso como 'O Homem Deu Nome a Todos Animais' ('Man Gave Name to All the Animals') e 'Batendo na Porta do Céu' ('Knockin' on Heaven's Door'); ou canções lisérgico-visionárias como: 'Mr. do Pandeiro' ('Mr. Tambourine Man') e 'Como uma Pedra a Rolar' ('Like a Rolling Stone'). Isso facilitou muito o processo de escolha."
Versões
Essa não foi a primeira vez que Zé Ramalho gravou Dylan. Em 1992, o brasileiro fez uma versão de "Hurricane" para seu álbum "Frevoador" e, nos anos seguintes, registrou interpretações traduzidas de "Tomorrow Is a Long Time" e "Knockin' on Heaven's Door".
Em 2001, fez um disco inteiro em homenagem a outro artista: "Zé Ramalho Canta Raul Seixas", que vê como o início de uma série. "São discos que mostram a minha leitura destes dois artistas que muito me influenciaram, interagindo na obra deles, da maneira como faço. É uma espécie de projeto ('Zé Ramalho Canta'). No futuro, provavelmente sairão 'Zé Ramalho Canta Luiz Gonzaga' e 'Zé Ramalho Canta Jackson do Pandeiro'."
O lançamento sai em duas versões: CD ou DVD, com dez mil exemplares cada um. No DVD, a jornalista Ana Maria Bahiana comenta as canções.
Fonte:
Ivan Finotti
http://www1.folha.uol.com.br
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