sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Entrevista de 1978

No dia 12 de abril de 1978, o jornal "O Globo" publicou uma longa entrevista com Zé Ramalho feita pela jornalista Ana Maria Bahiana. Dois anos depois, essa mesma entrevista faria parte do livro "Nada será como antes - MPB nos anos 70" (Ed. Civilização Brasileira, 1980) que a jornalista lançaria, contendo várias entrevistas com outros artistas que ela fez ao longo do tempo. A entrevista de Zé Ramalho que transcrevo abaixo, está nas págs, 230/235.


"ZÉ RAMALHO FAZ A SÍNTESE DO NORDESTE" - Ana Maria Bahiana
"Olhos de fogo, rosto anguloso e maníaco, uma cabeleira enorme, dedos ossudos vibrando a viola, voz metálica: quem assistiu à estréia de Alceu Valença em teatro, aqui no Rio, há três anos, recordará muito bem a aparição/intervenção de Zé Ramalho da Paraíba às horas tantas do show desafiando o titular do concerto numa cantoria doida que partia de "Edipiana no. 1"e acabava em "Beija-flor" e "Treme-terra", "Octacílio Batista", "Zé Limeira", o que desse e viesse. Ameaçador. Intenso. Impressionante. Estranhamente, contudo, Zé Ramalho desapareceu logo depois, após uma rixa com Alceu em pleno palco, em São Paulo. Parecia mais uma carreira promissora terminada antes de começar, vitimada pelas já históricas dificuldades do mercado brasileiro.
-Era uma tensão insuportável - Zé Ramalho recorda hoje. - A gente estava em São Paulo numa casa bem atrás do aeroporto, era hélice e turbina o dia inteiro, a gente não conhecia a cidade, só ficava o dia todo, sem perspectiva nenhuma, sem saber o que fazer. Porque aquela excursão tinha lá um monte de nome de gente organizando, promovendo, não é, mas era só nome, mesmo, só pela firma, porque quem fazia tudo era a gente mesmo, era divulgação, montar aparelhagem, tudo. Uma coisa desgastante, aflitiva. E eu estava cada vez mais chocado com a agressividade da coisa toda, o clima de competição, uma coisa desesperada. Aí uma noite, no palco mesmo, em vez de fazer o meu número, que era "Jacarepaguá", me deu vontade de cantar "Vila do Sossego". Ficou um clima estranho, o Alceu se zangou, houve violas quebradas, mas nenhum escândalo. As pessoas acharam que era do show. E eu voltei pra Paraíba, pra pôr minha cabeça no lugar, juntar os pedaços.
Hoje, Alceu canta a violenta "Vila do Sossego"em seus shows, como homenagem ao companheiro: "Em seus papiros Papillon já me dizia/que nas torturas toda carne se trai/e normalmente, comumente, fatalmente, displicentemente/o nervo se contrai/com precisão".
E Zé Ramalho da Paraíba estréia hoje enfim em disco - pelo novo selo Epic, o "progressivo"da gravadora CBS - e, em concerto até domingo, no Teatro Tereza Raquel. Curiosamente cercado, já, por muito falatório tipo expectativa, e a escolha pelos leitores do Jornal da Música, como revelação de compositor de 1977.
-Não lamento nada do que fiz. Acho que faria tudo de novo, inclusive os erros. A palavra mais importante, pra mim, é síntese. Fiz uma síntese dos erros, e isso foi muito bom. Eu não acho ruim que as coisas sejam difíceis, batalhadas. Se fosse fácil, menina, já viu o que ia ter de qualquer um aí se achando o máximo, mandando ver. Tem de ser duro, mesmo, porque isso é que faz teu trabalho crescer, faz você ver se tem valor mesmo, se acredita no que faz.
A história de Zé Ramalho da Paraíba é tão estranha e intensa como sua música - e, como sempre a explica. Na sua música, os sons vêm expresso do sertão, secos e incisivos, mesmo quando interpretados por guitarras ou sintetizadores. E as letras causam espanto para quem não conhece a maravilha do repente, fonte onde Zé Ramalho bebe com frequência e humildade. São martelos, mourões, sextilhas, quadras - rigorosamente no estilo, rigorosamente alucinadas como é a melhor poesia do sertão, e urgentemente contemporâneas. Dizendo, por exemplo: "Se eu calei foi por tristeza/você cala por calar/calado vai ficando/só fala quando eu mandar/rebuscando a consciência /como meio de viajar/até a cabeça do cometa/girando na carrapeta/no jogo de improvisar ("Avôhai").

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